Ultimamente tenho visto pulular nos meios tradicionalistas um
comportamento que julgo perigoso, principalmente porque lida com vidas, com
casamentos e com famílias. Refiro-me à cada vez mais propalada teoria esdrúxula
de que só pode haver relação sexual entre os cônjuges se for para
reproduzir-se, e que qualquer relação fora desse objetivo é “pecado mortal”. Outro extremismo cujo fim é o de prejudicar a
união conjugal vem das feministas, que insistem na tese de que uma mulher “não
pode sujeitar o seu corpo ao homem”, e que o “corpo é da mulher e ela faz dele
o que bem entender e na hora que quiser”.
Devemos nos lembrar que um dos principais alvos do diabo é
justamente esse (destruir as famílias), e nesse intento ele usará de tudo:
desde as tentações da carne para a satisfação da luxúria, à rebeldia pura e
simples para com a ordem natural das coisas, como também o extremo do
puritanismo exacerbado. A resposta cristã para este aparente dilema consiste
justamente na sobriedade e no justo uso da razão, livre de qualquer tipo de
prejulgamentos ou extremismos.
Antes de mais nada:
Deus é o criador do sexo e do matrimônio
Isso é mais do que óbvio, e dispensa qualquer tipo de citação
da Bíblia ou dos pais da Igreja, mas nunca é demais recapitular essa verdade
que insiste em ser negada ou distorcida tanto pelos puritanos quanto pelos
libertinos: Deus (e não o diabo) criou a relação sexual, e o fez com dois propósitos,
que é o de manter a espécie humana através da reprodução sexuada como também
como forma de manter a união íntima entre os cônjuges. Ambas as funções são
tanto complementares como não excludentes: nem sempre uma relação sexual feita
entre um casal unido no sacramento do matrimônio vai cumprir o primeiro item
(reprodução), mas sempre cumprirá o segundo (a união íntima do casal).
Isso começou numa ordem divina, já no livro do Gênesis, quando
Deus diz ao homem:
“Deus criou o homem à sua imagem,
à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou. Deus os abençoou e
lhes disse: ‘Sede fecundos,
multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a; dominai sobre os peixes do mar,
as aves do céu e todos os animais que rastejam sobre a terra’...’Não é bom que
o homem esteja só. Vou fazer uma auxiliar que lhe corresponda’...Por isso um homem deixa o seu pai e a sua mãe, se
une à sua esposa, e eles se tornam uma só carne.” (Genesis 1, 27-28; 2, 18 e 2, 24)
Somete esta passagem bíblica inspirada já ajuda a demonstrar
isso – não somente Deus cria o matrimônio entre um homem e uma mulher como
abençoa essa união conjugal, o amor entre os esposos e delineia as diretrizes básicas
de como esse amor pode ser frutífero.
Percebemos então que o sexo – como toda obra de Deus – é bom,
do contrário negaríamos aquilo que encontramos também na Sagrada Escritura no
livro do Gênesis:
“Deus viu tudo o que tinha
feito: e era muito bom.”
(Genesis 1, 31)
Desnecessário, mas importante destacar que o “era muito bom”
de Deus incluía também o matrimônio e a relação entre os cônjuges, criados
antes da queda do homem e da introdução do pecado no mundo.
O sexo como figura da
íntima união entre Jesus e sua Igreja
Essa figura soará um tanto incômoda para os puritanos, mas
ela não deixará de ser verdadeira: Deus usa uma relação carnal para comparar a
íntima união mística dele com a sua Igreja.
“Que me beije com beijos de sua boca! Teus amores são melhores que
os vinhos! ... Mais que ao vinho, celebremos teus amores!” (Cântico dos Cânticos 1, 2 e 4)
“Despontam figos na
figueira, e a vinha florida exala perfume. Levanta-te, minha amada, formosa minha,
vem a mim! Pomba minha, que se aninha nos vãos do rochedo, pela fenda dos
barrancos...Deixa-me ver tua face, deixa-me ouvir tua voz, pois tua face é
formosa e tão doce a tua voz!” (Cântico
dos Cânticos, 2, 13-14)
“Agarrei-o e não o soltarei, até levá-lo à casa da
minha mãe, ao quarto daquela que me concebeu” (Cântico dos Cânticos 3, 4)
“Já despi a túnica, e vou vesti-la de novo? Já lavei os pés, e
os sujarei de novo? Meu amado põe a mão pela fenda da porta: as entranhas estremecem, minha alma, ouvindo-o,
se esvai.” (Cântico
dos Cânticos, 5, 3-4)
“Coloca-me, como sinete o
teu coração, como sinete o teu braço. Pois o amor é forte, é como a morte, o
ciúme é inflexível como o Xeol. Suas chamas são chamas de fogo, uma faísca de
Yahweh! As águas da torrente jamais
poderão apagar o amor, nem os rios afogá-lo.” (Cântico dos Cânticos, 8, 6-7)
Salomão também fala sobre a relação matrimonial nos seus Provérbios,
e ele é muito claro ao dizer que,
“Mostre-se abençoada a tua
fonte de água e alegra-te com a esposa da tua mocidade, gama amável e
encantadora cabra-montesa. Inebriem-te
os seus próprios seios todo o tempo. Que te extasies constantemente com o seu amor.” (Provébios de Salomão 5, 18-19)
Sim, esses e outros trechos são deveras dificílimos para os puritanos,
que se pudessem os arrancariam de suas Bíblias.
Outro detalhe importante a ser destacado nesses tempos
conturbados é: todas as referências bíblicas envolvendo relações sexuais de
forma positiva são feitas entre um homem e uma mulher, unidos pela relação
matrimonial.
O método de Billings e
os tradicionalistas
No meio católico existe uma briga entre os chamados
tradicionalistas e os modernistas. Alguns dos primeiros têm trazido
em diversos blogues e grupos de redes sociais uma visão puritanista do matrimônio,
enxergando uma certa proibição das relações conjugais, exceto quando feitas
para gerar a prole. Do outro lado, desde o lançamento da encíclica “Humanae Vitae”1 do Papa Paulo
VI, os católicos não ligados ao ramo tradicional da Igreja têm fomentado junto
aos fiéis o uso de um método de controle de natalidade natural desenvolvido por
John Billings e sua esposa Evelyn Billings, que consiste basicamente em “uma maneira comportamental e natural para
conseguir engravidar, monitorar a saúde reprodutiva e adiar a gravidez, já que
se baseia na auto observação e conhecimento dos períodos de fertilidade e
infertilidade em cada ciclo menstrual”2. Não preciso dizer que
tanto a própria Igreja quanto muitos santos – bem como a própria Sagrada
Escritura, fonte primária e inspirada por Deus – dizem exatamente o contrário:
a relação sexual entre os cônjuges é lícita e desejável, mesmo quando ela não
visa única e exclusivamente a reprodução humana. Senão vejamos os
posicionamentos deles:
São Paulo, nas Sagradas Escrituras:
“A mulher não pode dispor de seu corpo: ele pertence ao seu marido.
E da mesma forma o marido não pode dispor do seu corpo: ele pertence à sua
esposa. Todavia, considerando o perigo da incontinência, cada um tenha sua
mulher, e cada mulher tenha seu marido. Não
vos recuseis um ao outro, a não ser de comum acordo, por algum tempo,
para vos aplicardes à oração; e depois retornai novamente um para o outro, para que não vos tente Satanás por vossa
incontinência. Isto digo como
concessão, não como ordem... Mas, se não podem guardar a continência, casem-se.
É melhor casar do que abrasar-se.” (São Paulo aos Coríntios 7, 2; 5-6; 9)
A regra de São Paulo registrada nas Sagradas Escrituras é
muito clara: os esposos não podem se negar um ao outro o uso da relação sexual no
sagrado matrimonio – exceto se por comum acordo – como devem praticar isto como
forma de evitar a tentação de Satanás para que o outro cônjuge não caia em pecado
mortal.
Afastando a mentira das feministas
Este texto também afasta a falácia das feministas que tem
contaminado tantas mulheres, inclusive no meio cristão: a de que o corpo da
mulher é só dela e que ela só o deve doar a quem quiser e na hora que ela bem
entender. Isso é verdade quando a mulher é solteira, mas ao casar-se o corpo
dela não é mais só dela: o é também do seu esposo, assim como o do seu esposo
não é mais só dele, pois é também dela. Como disse Deus no primeiro livro da
Sagrada Escritura, ao unir-se no matrimônio já não são mais dois: são uma só carne! Esposos: o
vosso corpo não é mais vosso, mas do outro com quem você escolheu dividir sua existência
para o resto da vida!
O casamento como figura entre a união de Deus e a sua Igreja
Reforçando a tese de que o livro de Cantares de Salomão retrata uma união carnal para compará-la com a união mística e espiritual entre o Senhor e sua Igreja nós vemos no texto de Efésios 5, 28-33,
de autoria de São Paulo, que ainda descreve como deve se dar o papel de cada
um dos esposos no arranjo matrimonial:
“Assim devem os maridos amar as suas próprias mulheres, como a seus
próprios corpos. Quem ama a sua mulher, ama-se a si mesmo. Porque nunca ninguém
odiou a sua própria carne; antes a alimenta e sustenta, como também o Senhor à
igreja; Porque somos membros do seu corpo, da sua carne, e dos seus ossos. Por
isso deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá a sua mulher; e serão dois
numa carne. Grande é este mistério;
digo-o, porém, a respeito de Cristo e da igreja. Assim também vós, cada um
em particular, ame a sua própria mulher
como a si mesmo, e a mulher reverencie o marido.”
Santo Agostinho de Hipona
Santo Agostinho comenta a carta de São Paulo aos Coríntios da
seguinte forma:
"O
concúbito é necessário para a procriação, e só neste caso é verdadeiramente
nupcial... Em tais circunstâncias [refere-se à libido do outro cônjuge] é dever dos esposos não o exigir, mas
condescender com a outra parte, a fim de evitar que se lance a uma fornicação,
que é pecado mortal. Ora, se ambos estão dominados pela concupiscência,
realizam um ato que não é verdadeiramente nupcial. Entretanto, se na sua união
atendem mais à honestidade que à desonestidade, isto é, se atendem mais ao que
é próprio das núpcias que ao que lhe é impróprio, isto é o que o Apóstolo
[Paulo] lhes concede como indulgência... O uso natural do matrimônio, quando ultrapassa os limites da
necessidade da procriação, é escusável com a própria esposa, mas
pecaminoso com uma meretriz; o uso antinatural da esposa [isto é, a
sodomia] é mais execrável que o uso antinatural com uma meretriz... As leis do Criador
e a conveniência das criaturas de tal modo são obrigatórias que os excessos nas coisas permitidas são
mais toleráveis, que uma ou raras transgressões nas coisas proibidas. E
assim, nos casados, deve ser tolerada
a intemperança no uso do que lhes é permitido, para evitar que a libido os arraste ao que lhes é proibido.
Por conseguinte, peca menos se
recorre frequentemente à esposa, que se raríssimamente se desliza na
fornicação" (Santo
Agostinho - Dos Bens do Matrimônio – Editora Paulus)
Uma observação importante no
ensinamento agostiniano: a sodomia – mesmo quando praticada entre um homem e
uma mulher unidos no Sagrado Matrimônio – constitui falha gravíssima, e não está
no rol das práticas sexuais aprovadas e abençoadas por Deus.
Pronunciamentos da Igreja anteriores à encíclica “Humanae Vitae”:
Temos de entender que o uso do ritmo natural do ciclo
menstrual e da concepção só passou a ser bem conhecido no século XX. Mas a
Igreja, em sua sabedoria, já endereçava a questão no fim do século XIX. A prova
está nesta pergunta feita por um Bispo francês à Sagrada Penitenciária naquele
período:
“Alguns casais, se
apegando à opinião que aprenderam de alguns médicos, estão convencidos que
existem vários dias em cada mês nos quais a concepção não pode ocorrer. Devem aqueles que não usam do matrimônio
exceto nesses dias serem incomodados, especialmente se eles não tiverem razões
legítimas para se abster do ato conjugal?"3
Em 2 de Março de, 1853, a Sagrada Penitenciária respondeu
(durante o reinado de Pio IX):
“Esses citados no
requerimento não devem ser
incomodados, pelo fato de que eles não estão fazendo coisa alguma para
impedir a concepção”3
Isto indica que quando casais praticavam o chamado
"ritmo", eles não realizavam um ato antinatural em si mesmo, segundo
induzimos das palavras da Sagrada Penitenciária.
E ainda temos uma outra citação, desta vez no reinado de Leão
XIII, quando em em 1880, o padre Le Conte submeteu a seguinte pergunta à
Sagrada Penitenciária:
"Se os casais unidos no
matrimônio podem ter intercurso sexual durante tais períodos inférteis sem
cometerem pecado mortal ou venial? ... Será que o confessor pode sugerir tal
prática tanto à esposa que detesta o onanismo do seu marido mas não pode
corrigi-lo, ou para a esposa que evita ter muitos filhos?”3
A resposta da Sagrada Penitenciária (durante o reinado de
Leão XIII), datada de 16 de Junho de 1880, foi:
“Casais que contraem o matrimônio e que usam do direito
conjugal na dita forma não devem ser incomodados, e o confessor pode sugerir a opinião em questão, contudo,
de forma cautelosa, para aquelas pessoas casadas que tentaram em vão outros
meios de dissuadir o detestável crime do onanismo.”3
Conclusão:
Não restam dúvidas: o método de Billings não é condenável,
posto que mesmo com ele a fecundidade não é interrompida por meios artificiais,
mas sim naturais, obedecendo o ciclo do corpo instituído por Deus na criação. Além disso, o uso do matrimônio por parte dos esposos - mesmo quando para combater a concupiscência - não
somente é legítimo como aconselhável, face ao mundo extremamente erotizado em
que vivemos. Fazer isto de forma regular é prova de amor de um cônjuge para com o outro, de forma
a evitar que uma das partes caia em tentação pela incontinência e também para manter unido o casal na intimidade.
Por fim, a mentira da ideologia feminista que prega que
a mulher é dona do seu próprio corpo e só o deve dispor “para quem, quando e como
quiser” não é suportada pelas Sagradas Escrituras após o casamento entre um
homem e uma mulher. A verdade é que os corpos de ambos os conjunges pertencem um ao outro, que
se doam em amor e fecundidade no arranjo divino.